Mensagem que corre nas redes sociais contra a homofobia traz informações falsas e argumentos falaciosos que não ajudam a diminuir a homofobia ou aumentar a aceitação da homossexualidade.
Uma mensagem está correndo as redes sociais que - com algumas pequenas variações - traz a seguinte informação: "Homossexualidade é encontrada em mais de 450 espécies de animais. Homofobia apenas em uma. Qual é a antinatural?"
Uma mensagem está correndo as redes sociais que - com algumas pequenas variações - traz a seguinte informação: "Homossexualidade é encontrada em mais de 450 espécies de animais. Homofobia apenas em uma. Qual é a antinatural?"
Muitas trazem o pedido para disseminar a informação: "RT se você é contra a homofobia", ou "Coloque isso no seu mural se você é contra a homofobia", ou até "Reblogue se você é contra a homofobia". Eu sou contra a homofobia, mas também sou contra a disseminação de desinformação, não importa para que fins. E a mensagem está se disseminando com bastante força. Só um tweet do ator José de Abreu, gerou mais de 430 retweets. Li a mensagem em diversos murais de amigos e parentes bem intencionados no Facebook. Mas alguém parou pra checar se a informação é verdadeira, ou parou pra pensar se é relevante, antes de repassar?
O fato é que o mesmo estudo de onde foi tirada a informação de que a "homossexualidade foi encontrada em mais de 450 espécies", o livro "Biological Exuberance: Animal Homosexuality and Natural Diversity", de Bruce Bagemihl, mostra também que a homofobia está presente entre outras espécies além da humana. O autor discorre, por exemplo, sobre o comportamento homofóbico de grupos de Caricus, ou "white-tailed deer" (Odocoileus virginianus), que assediam, atacam, e expulsam espécimes transgêneros de sua área.
"Non-transgendered White-tails (both does and bucks of all ages, even fawns) threaten velvet-horns who try to aproach them - forcing them to remain no less than ten feet away - while bucks may actively charge velvet-horns to drive them away." (Bagemihl, p.380)Em outro livro, "Homosexual behaviour in animals: an evolutionary perspective", Volker Sommer descreve patrulhas de Macacos-japonês machos (Macaca fuscata) que atacam fêmeas que estão engajadas em sexo homossexual entre si. Conta também que certos grupos de Antílopes apresentam comportamento parecido.
Então a segunda parte da mensagem está incorreta, a homofobia está sim presente na natureza, em outras espécies além da humana. E a primeira parte é incompleta, pois o livro de Bagemihl diz que o comportamento homossexual já foi observado em mais de 1500 espécies, o número de 450 é o de espécies documentadas por ele.
Mas não é só a falha factual que compromete o argumento. O argumento em si é uma falácia, conhecida como "falácia da natureza" ou "apelo à natureza" ("Argumentum ad Naturam"), que funciona assim: "N é natural, então N é bom ou certo. U não é natural, então U não é bom ou não é certo". Ou: "comportamento X é natural, então comportamento X é moralmente aceitável".
Não é porque é "natural", que um comportamento é moralmente aceitável ou bom. O mesmo estudo de Bagemihl mostra que "incesto" e "estupro" também estão presentes no comportamento sexual da grande maioria das espécies estudadas, e nem por isso são moralmente aceitáveis para a humanidade.
Não é porque é "natural", que um comportamento é moralmente aceitável ou bom. O mesmo estudo de Bagemihl mostra que "incesto" e "estupro" também estão presentes no comportamento sexual da grande maioria das espécies estudadas, e nem por isso são moralmente aceitáveis para a humanidade.
O que precisa ficar claro, é que "natural" ou "antinatural" não tem nada a ver com a questão. A questão é que a homofobia é moralmente inaceitável, socialmente maléfica, pois quer ingerir sobre o comportamento sexual e afetivo dos outros, e causa dor e sofrimento em seres humanos, enquanto a homossexualidade, por sua vez, é moralmente aceitável e socialmente benéfica, pois é fruto do amor e do desejo individual e não causa mal a ninguém.
Em seu livro, Bagemihl nos lembra que a informação de que o comportamento homosexual nos animais existe não é nova, e ela sempre foi usada para caracterizar a homossexualidade como algo deplorável, algo animalesco, seja pelos puritanos da Nova Inglaterra do século dezoito, por nazistas alemães, ou na cruzada anti-gay de Anita Bryant nos anos 70. Animais onde o comportamento homossexual pode ser facilmente observado, várias espécies de primatas, são também as espécies que cometem infanticídio, geralmente não formam casais duradouros, apresentam um comportamento promíscuo e violento.
Nos Estados Unidos, na Suprema Corte do Colorado, o debate sobre a homossexualidade ser inata ou não, do ponto de vista biológico, levou a interpretações equivocadas de que a homossexualidade seria apenas um "estilo de vida", uma escolha pessoal, não cabendo então proteção legal contra a discriminação no âmbito dos direitos civis.
Em suma, a existência da homossexualidade entre certos grupos de animais e as características naturais, biológicas e zoológicas do sexo entre indivíduos do mesmo sexo, tem sido mais usada para gerar homofobia do que para combatê-la.
A zoóloga Marlene Zuk, em seu livro esclarecedor "Sexual selections: what we can and can't learn about sex from animals", define bem a questão:
Aos amigos que usam suas contas em redes sociais para divulgar causas, duas dicas: nunca passem para frente informações que vocês não conhecem de fonte primária. E existe uma regra na internet que serve para tudo: se uma mensagem traz o apelo para você passar ela adiante, não passe.
Homosexual behaviour in animals: an evolutionary perspective. Cambridge, 2006. |
Em seu livro, Bagemihl nos lembra que a informação de que o comportamento homosexual nos animais existe não é nova, e ela sempre foi usada para caracterizar a homossexualidade como algo deplorável, algo animalesco, seja pelos puritanos da Nova Inglaterra do século dezoito, por nazistas alemães, ou na cruzada anti-gay de Anita Bryant nos anos 70. Animais onde o comportamento homossexual pode ser facilmente observado, várias espécies de primatas, são também as espécies que cometem infanticídio, geralmente não formam casais duradouros, apresentam um comportamento promíscuo e violento.
Nos Estados Unidos, na Suprema Corte do Colorado, o debate sobre a homossexualidade ser inata ou não, do ponto de vista biológico, levou a interpretações equivocadas de que a homossexualidade seria apenas um "estilo de vida", uma escolha pessoal, não cabendo então proteção legal contra a discriminação no âmbito dos direitos civis.
Em suma, a existência da homossexualidade entre certos grupos de animais e as características naturais, biológicas e zoológicas do sexo entre indivíduos do mesmo sexo, tem sido mais usada para gerar homofobia do que para combatê-la.
A zoóloga Marlene Zuk, em seu livro esclarecedor "Sexual selections: what we can and can't learn about sex from animals", define bem a questão:
"Usar informações sobre comportamento animal para justificar ideologias políticas ou sociais é um equívoco. Se a homossexualidade nos animais é generalizada ou ocasional, se ocorre mais em uma espécie que em outras, isso não deve influenciar nossas decisões sobre as políticas públicas de proteção legal de homossexuais contra a discriminação. (...) Virtualmente todos os pesquisadores sobre homossexualidade animal concordam com isso. Incluindo Bagemihl." (Zuk, p. 176)
... e eu fui crucificado qdo questionei essa declaração no facebook de uma amiga...
ResponderExcluirEu fui dos que passou adiante. Agora preciso passar adiante também a informação correta. E assim vamos né... rs!
ResponderExcluirMuito bom o texto!
ResponderExcluirÓtimo texto!
ResponderExcluirVc tem bons argumentos mas estão um tanto falhos no sentido de que a palavra natural possui em diversas ciências uma discussão conceitual ampla.
ResponderExcluirNo sentido do pertencimento a naturezza é natural.
Então se a homossexualidade é praticada por seres de procedencia natural, o que ela seria anormal? imoral? Não, pois ambos conceitos conotam dos valores e são transitórios.
O texto dos RT é uma metáfora que diz Existe homossexualidade em várias espécies, e só o homem racional ataca o seu por ser diferente de forma consciente.
Os animais irracionais são territoriais e atacam muitas das vezes para controle de natalidade, diminuir o numero de machos, etc.
Então não queiramos nunca nos comparar aos animais irracionais perante ao seu comportamento.
Acho seu texto o típico morde assopra, recheado de boas intenções mas de boas intenções mascaradas de ódio ... estamos cheios.
Abraços
Maravilhosamente escrito
ResponderExcluirParabens!
@xocxoc Não sou eu quem compara animais com seres humanos, o texto é justamente uma argumentação para mostrar que não se deve fazer essa comparação, inclusive dizendo que o cara que fez o estudo não acha que deve haver comparação. Tente outra vez, leia de novo...
ResponderExcluirUsar o argumento de que homossexualidade é natural é válido apenas contra o argumento de que homossexualidade é um mal inventado pelo homem, uma aberração ou um desvio causado pela falta de educação em casa. (alguns homofóbicos usam essa, vide Bolsonaro).
ResponderExcluirMas realmente, a parte de relacionar um comportamento natural a moralmente correta é fail.
@fabianoristow Mas citar que a homossexualidade está presente entre animais não invalida a suposta tese que ela seria uma aberração ou desvio causado pela falta de educação em casa, até corrobora essa tese, como alegam alguns homofóbicos, dizendo que justamente é um comportamento selvagem. Vale citar que os casos de homoafetividade entre animais é bem raro, o que impera é relação de dominância forçada e o ato sexual homoerótico por puro prazer...
ResponderExcluirO que é interessante é que nessas espécies observou-se a ocorrência de homofobia, o que poderia caracterizar que HOMOFOBIA É NATURAL, ASSIM COMO A HOMOSSEXUALIDADE... Não sou homofóbico mas se isso está correto, a falácia de redes sociais se torna MAIS fail ainda.
ResponderExcluir@xocxoc
ResponderExcluira nao ser que o autor do blog tenha mentido, ou lido errado, os animais não atacaram por instintos territoriais ou algo do gênero... segundo ele o autor do livro diz ter observado "comportamento homofóbico" especificamente... releia lá.
Eu apoio um movimento mais importante: educação para todos. Nesse caso vemos um sério problema de interpretação de texto.
@Alfie O autor do livro não fala em "comportamento homofóbico", quem fala em comportamente homofóbico sou eu, o autor do livro simplesmente descreve o comportamento de espécimes heterossexuais que assedia, ataca e expulsam espécimes transgênero de seu território por eles exibirem a aparência homossexual.
ResponderExcluirAcima de tudo achei muito interessante a intenção de se preocupar com quem fez a pesquisa ou o que diz o livro, como diz o texto, não podemos sair espalhando informação sem conhecimento. E também não acredito na tal "boa intenção coberta de ódio", não há sequer citação homofóbica no texto ou coisa do tipo. O importante é perceber que natural ou não deve ser respeitada, e o sentido de natural como "valor que transcende no meio social" também traz consigo uma carga de tradição bem falha... Era uma tradição da sociedade brasileira patriarcal condenar mulheres adulteras. Nem por isso o código civil estava correto, mesmo sendo um príncipio moral da época. As metaforas anti-homofobia e afins devem sim ser bem embasadas, porque quem sofre com os preconceitos não pode dar a deixa para alguma retaliação (é, daquela lei do talião mesmo... que é o que acontece) posterior. O texto além de bem-intencionado foi bem construído e as coisas (de modo geral, não só a questão da homossexualidade) devem ser bem discutidas e bem entendidas.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir@Alfie Não há nada nebuloso. Qualquer esclarecimento, estou a disposição...
ResponderExcluirRealmente essa retórica do natural é um contra-argumento fraco contra os homofóbicos que costumam apelar para o instintivo e o biológico. Como se quem fizesse esse argumento fosse um homem que come o que caça e não usa desodorante, afinal, comida congelada e controle de odor não são naturais e nem biológicos!
ResponderExcluirSe o objetivo é refutar, é melhor subir um degrau e não rebater no mesmo nível. Mas a retórica de argumentos de apelo popular são em maioria fracas.
@Fernando Marés de Souza relendo a coisa toda... não é nebuloso mesmo. Concordo com seu post. Eu precisava ler esse livro.
ResponderExcluirAchei o texto bom, porém concordo com o @xocxoc, na minha opinião o que o tweet que mencionaram tenta fazer é destruir o principal argumento dos que se dizem contra a homossexualidade, aquele que alega que é errado simplesmente porque não é natural, e não defende-la porque é natural.
ResponderExcluirComo disse, alguns homofóbicos afirmam que seria um comportamento SELVAGEM, contraditoriamente explicando essa selvageria por um desvio de EDUCAÇÃO, ou seja, eles não conseguem sustentar a opinião apenas pelo viés do que consideram como "natural".
na verdade o comentário da @xocxoc só mostra q ela nao entendeu nada do texto.
ResponderExcluirÉ facil retwitar o dificil é pesquisar antes de sair postando qualquer coisa! Muito bom texto Fernando!
ResponderExcluirBaita texto!
ResponderExcluirSó discordo quanto à denúncia de falácia naturalista. Parece-me tranquilo que as pessoas anti-homofobia, pelo menos as mais esclarecidas, não realizam esse salto ser/dever-ser.
Antes, quem faz isso são os homofóbicos quando argumentam que "homossexualidade é antinatural". O que o argumento tenta demonstrar é que isso é falso, não que seja moral ou ético.
Pelo menos na maioria das vezes.
Abs.
Falacioso também é este artigo, assim como Bruce Bagemihl disse em seu livro, a palavra homossexualismo usada por ele foi como a melhor encontrada para este comportamento sexual em outras espécies, assim a palava homofobia não pode ser também empregada para toda e qualquer atitude anti-homossexual. Não pode-se dizer então que um comportamento de exclusão ou violência à aqueles que praticam sexo homossexual dentro de um grupo é necessariamente homofobia sem saber ou identificar suas raízes ritualísticas.
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